sábado, 9 de janeiro de 2010

2010, Que Seja Um de Inclusão e Participação


Em Janeiro do ano passado escrevi um texto em que desejava aos moçambicanos um 2009 de exercício de cidadania sem medo. Ai apareceram os meus amigos a questionar o tal medo. Se não era somente um fantasma na minha cabeça ou invenção de quem está acostumado a estar na oposição. Eu já estou habituado a esses meus amigos filósofos.

O que se veio a demonstrar nos meses subsequentes foi que o medo e a intimidação foram se agudizando e aqueles que não acreditavam nas minhas premissas passaram eles mesmo a serem instrumentos da propagação do tal medo. O que quer dizer que não conseguimos realizar o exercício de uma cidadania sem medo no ano de 2009. Se não estamos preparados para a mudança, passamos nós mesmos a ser instrumentos do mal.

Entretanto, proponho para 2010 um ano de inclusão e participação como forma de reduzirmos o medo, as assimetrias e a construção de uma elite baseada no escovismo e interesses estomacais. Antes disso, gostaria de relembrar alguns outros pontos que coloquei para o ano passado.

No texto de Janeiro, também elogiava o crescimento formal da democracia moçambicana ilustrada por um lado pela realização de eleições multipartidária e por outro lado pela participação de mais partidos e organizações no jogo político, mas criticava o facto dessa democracia nunca passar do formal para o material. Temos uma democracia aparente, que não chega a se concretizar, já que ela pressupõe o poder no povo ou o povo no poder.

Falei também dos perigos que estavam eminente quando o maior partido moçambicano mostrava sinais de querer ser hegemónico e controlar tudo e todos. Isso ficou claro com as eleições de 28 de Outubro. E os intelectuais moçambicanos continuam com o mesmo medo de serem eles mesmo. É tão grande o medo que se tem pelo partidão, este que pode promover, despromover, nomear, exonerar, fazer ou não fazer.

Em Janeiro de 2009 eu já previa a falência do maior partido da oposição e a sua cisão, ou seja, a criação de um novo partido saindo daquele. É o que veio a se notar, a Renamo foi perdendo a sua influência e do seu seio nasceu o MDM, partido que previ a sua nascença, mas que também temia que poderia ser recheado por dissidentes da Renamo e que por conta disso rápido viesse a significar o mesmo que a Renamo. A ver vamos, cabe ao Daviz e ao seu elenco mostrar o que pretendem neste cenário monopartidário.

Falei também da mídia. Pretendia que esta fosse menos manipulada. Na verdade não é possível termos uma mídia não manipulada e não controlada pelo poder ou pelo sistema no poder. O que se chamava de independente hoje tem pouco dessa característica. A sociedade civil não melhorou seus pontos, pelo contrário, acentuou sua posição de reboque.

Esperei para o ano passado assentos para os homens para as mulheres e para as crianças. Esperei assentos para os idosos, para gays e lésbicas. Isso não aconteceu. Esperei assentos para os membros da oposição, isso não aconteceu. Também não aconteceu que houvesse assentos para os portadores de deficiência, para os artistas e desportistas.

Esperei um 2009 em que teríamos uma Comissão Nacional dos Direitos Humanos e um Provedor de Justiça, isso não aconteceu. Permaneço na mesma fé, na mesma crença e nos mesmos ideais. Mas com tudo isso, só posso esperar para 2010 uma governação mais participativa e mais inclusiva.

Não sei se fui ambicioso demais nas minhas esperanças para 2009, mas a verdade é que o tal ano foi bastante difícil em termos de exercício de cidadania, participação e inclusão no processo de governação. As dificuldades de acesso a informação de qualidade foram notórios e a medida que o período eleitoral se aproximava, a máquina de propaganda foi fortemente instalada em todos os cantos de comunicação, rádio, televisão, jornais, Internet, em particular nos blogs e sobretudo no discurso governativo em que o contribuinte era simplesmente ignorado.

Com sucesso ou não, a tal máquina conseguiu orientar o tom do debate político e cidadão no país. Orientou a leitura dos fenómenos e viciou desde logo todos os princípios da liberdade de expressão, de opinião, da independência dos poderes, da transparência na administração e principalmente, viciou o conceito de democracia e participação.

O pior ainda estava para acontecer, quando os órgãos eleitorais, incluindo o Conselho Constitucional, vieram afirmar que o direito formal é superior ao direito material, ignorando por completo que para o exercício dos direitos fundamentais, a formalidade jamais deve ser considerada um impedimento, ou seja, mesmo que a formalidade não esteja reunida, não se deve impedir o exercício de direitos fundamentais.

2010 tem o mérito de ser o primeiro ano do segundo mandato de Armando Guebuza. Em principio, ele não deve recandidatar-se em 2014. Salvo se com a maioria que detém na Assembleia da República vier a remover este limite constitucional, ou então, decidir mudar a forma de governo. Tendo este ano todo esse significado, na medida em que a Frelimo poderá, eventualmente querer lançar seu próximo candidato (se é que ainda não lançou) então devemos aproveitar todos os ganhos possíveis, porque nem Guebuza, nem a Frelimo, estarão interessados a serem crucificados.

Passa assim, a ser, não só este ano, mas todos os próximos até 2014 a serem anos de oportunidades. Anos em que o papá vai fechar um olho para muitas coisas e vai deixar passar até aquilo que abomina. Em política tudo é possível, dai que tudo precisa ser lido com atenção e cautela para que as oportunidades de momento não sejam interpretados como ganhos definitivos. Esse erro de leitura pode conduzir a desastres terríveis.

Para concluir, fora as minhas esperanças que transitaram do ano de 2009, espero que tenhamos todos a oportunidade de ser moçambicanos. De podermos participar da riqueza deste país, dos ganhos deste país e que tenhamos espaço para estudarmos, trabalharmos e nos realizarmos como seres humanos. Que tenhamos espaço de manifestar nossas ideias, nossas opiniões e sobretudo, que sejamos todos aceites assim como somos. Por isso, um ano de 2010 repleto de inclusão e participação cidadã.

Lembre o texto de 2009 aqui

8 comentários:

Erva disse...

Vejo um paradoxo no teu texto! Em 2009 houve mais abertura em termos democraticos mas ao mesmo tempo houve aumento do medo! Estas duas realidades, democracia e medo, sao inversamente proporcionais...

Unknown disse...

oi Erva,

O texto pode ter outro paradoxo, mas nao este que cita...nao falo de crescimento da democracia em 2009, falo de uma evolucao no processo formal desde 1994...e tento contracenar esta realidade com a democracia material..que na sequencia deixa muito a desejar...agradecia que compreendesse bem o texto.

Cordialmente

Erva disse...

Se me dizes que fazes uma distincao entre a democracia formal e a material e depois contrapoes esta com o medo, sou obrigada a concordar. Tambem acho que do ponto de vista material a democracia reduziu bastante. A liberdade de expressao aumentou (tu, Ismael Mussa, Antonio Muchanga, Antonio Frangulis, Venancio Mondlane, Azagaia sao exemplos da liberdade de expressao). A democracia reduziu no ambito politico. No ambito social nao tenho a mesma opiniao.

Unknown disse...

A liberdade de expressao deve ser um direito dos cidadaos e nao de exemplos...de todas as maneiras...estamos de parabens!

Júlio Mutisse disse...

Brother Duma: de que falamos mesmo quando abordamos a questão de inclusão? A mim ainda me faz confusão quando o ouço despegado de qualquer explicação. Faz me temer "aquela" inclusão que a dado passo nos últimos meses foi pregada até na nossa "sala oval" por uma certa classe de residentes em Moçambique.

Tenho para mim que inclusão deve significar que todos nós, moçambicanos do Rovuma ao Maputo, do Índico ao Zumbo, independentemente da nossa filiação partidária devemos ter algo a dizer em relação ao projecto de fazer de Moçambique um país sem pobreza. Inclusão, para mim, significa que não há governo e os "outros"; há moçambicanos que remam para o mesmo lado liderados por um Governo legitimamente constituído que ausculta e considera os outros actores do desenvolvimento do país.

É disto que falamos Duma?

Unknown disse...

É disto mesmo que falamos meu mano, acrescento somente a inclusao na distribuicao da riqueza...das oportunidades e sobretudo no exercicio dos direitos e liberdades fundamentais>

Bom ano meu amigo Muthisse!

Julio Mutisse disse...

O discurso de AEG na tomada de posse conforta-te nesta epopeia inclusivista oh Bro Duma?

Susy disse...

Olá Custódio Duma

Bom...eu gostaria de dizer que eu gostei muito do conteúdo desse blog,pois eu estou fazendo um trabalho na escola sobre a origem dos problemas do continente Africano,achei materias interessantes aqui.Eu sou brasileira e gostaria de saber sua opinião sobre esse assunto...mas olhando com olhos "sociológicos"...acho que ficaria interessante colocar sua opinião no trabalho.
Por favor me responda no meu e-mail, é jeise.alves@gmail.com