segunda-feira, 19 de maio de 2008

O Pani Africanismo de Marcus Garvey

E os Negros no Mundo de Hoje

Publicado no Jornal Escorpiao, coluna "Hoje em Dia"


Hoje, o mundo dos negros é rodeado de desafios de vária ordem, desde os económicos com a crescente desigualdade de oportunidades, políticos com a dificuldade da construção de uma democracia mais eficiente e participativa, sociais com o fraco desenvolvimento humano e principalmente com a falta de visão para a construção de uma identidade e uma plataforma de orgulho negro.


O Pani Africanismo é cosiderado uma ideologia com vista a potenciar a voz do continente africano no contexto africano, chamando a união de todos negros tanto em Africa como na diáspora. Embora tenha tido maior sustento por parte de afro descendentes na europa e nos Estados Unidos, foram os seus princípios que motivaram a fundacao da Organizacao da Unidade Africana em 1963 na Ethiopia.


O Pani africanismo visa promover e defender os direitos de todos os negros, direitos civis, politicos, economicos, sociais e culturais. Visa tambem construir uma rede de activistas sociais, filosofos e politicos em prol de uma Africa unida e soberana para todos africanos no mundo. Grandes defensores dessa ideologia foram William Du Bois, Marcus Garvey e em Africa Kwame Nkrumah.


Marcus garvey, patrono do meu blog (athiopia.blogspot.com) foi um dos mais altos activistas do movimento nacionalista negro. Pregou com vigor e inspiração o orgulho negro e o retorno dos africanos para Africa. Criou um dos mais prósperos movimento negro do mundo e foi destacado como um dos grande oradores, escritores, editores e até profeta negro do seculo passado.


A Associacao Universal para o Progresso Negro (UNIA) fundada como fruto de experiencias amargas vividas pelos negros no mundo e directamente testemunhadas por ele em pessoa, visava acima de tudo, a promocao da consciencia e unidade na raca negra, da dignidade e do amor, visava tambem o desenvolvuimento da Africa, livrando-a do colonialismo e transformando-a em potencia, visava protestar contra o preconceito e a perda dos valores africanos, visava estabelecer instituicoes de ensino para negros onde se ensinasse a cultura africana e promover o desenvolvimento economico, comercial e industrial da africa e dos africanos e acima de tudo, criar um mecanismo de suporte para todos os despossuídos em todo o mundo.


Com seu lema: Um Deus, Uma Aspiracao e Um Destino,Garvey influenciou politicos e musicos, tais como Jomo Kenyata um dos maiores nomes do nacionalismo africano e primeiro presidente do Kenya, assim como Bob Marley um dos mais conceituados pregadores do orgulho negro. Com a sua mensagem: Africa, Terra dos Nossos Pais, Garvey foi considerado profeta do rastafarismo.


Hoje, importa perguntar o que ficou do Garveyismo no mundo, o que sobrou do Pani Africanismo e que tipo de ideologia orienta a existencia politica, civil, economica e cultural dos negros no mundo.


Tenho viajado bastante e por conta disso visto como os negros vivem em varios paises. Tirando algumas poucas excepcoes, os africanos continuam cidadaos da terceira ou quarta categoria. Os seus direitos fundamentais são drasticamente reduzidos e seus privilegios quase inexistentes. Em cada sociedade onde se eles se encontram todos os outros que não são negros são os mais privilegiados.


Uma pequena porcao de negros é bem sucedida, mas essa porcao bem sucedida trilhou um longo e penoso caminho para chegar onde chegou, comparado a um branco que está na mesma situacao, o negro pode ter feito cinco ou dez vezes mais o que o branco fez para chegar no mesmo ponto.


O custo de vida e a falta de oportunidade torna a vida dos negros no mundo cada vez mais dificies. Sem Marcus Garvey estivesse vivo e hoje pudesse fazer uma viagem como ele fez pelas antilhas, pela africa e pela europa ele teria visto o mesmo cenario dos anos 1900 e 1920 altura em que acabou sendo eleito o presidente interino de Africa.


Negros explorados nas plantacoes, negros traficados dentro do seu proprio continente, negros utilizados como carne para canhao em beneficio de lideres tirano, despotas e ditadores. Negros transformados em bandidos, assaltantes, assasinos só para ganharem um pão.


Garvey teria visto as meninas africanas, no mundo inteiro sendo exploradas sexualmente e elas mesmas se oferecendo a prosptituicao devido a falta de alternativas. Garvey teria visto mulheres negras fazendo de tudo para serem como as brancas, usando cremes, cabelos e adoptando a cultura e a forma de vida propagada pelos filmes norte americanos e pela novela brasileira.


Garvey teria visto uma África sem um Deus, sem uma Aspiracao e sem um Destino. Uma Africa onde ninguém quer estar. Garvey teria visto politicos predadores que não se preocupam com a cultura africana nem com o fim das desigualdades, Garvey teria encontrado um mundo africano sem lideranca, sem futuro e sem filosofos.


Mas Garvey tambem encontraria um Barack Obama, que sendo descendente de africano, tem sua origem no Kenya, terra de Jomo Kenyatta um dos seus discipulos. Teria com certeza visto em Obama muitos dos seus ensinamentos e acreditado que em tudo valeu a pena ter pregado a sua mensagem.


Mas Garvey tambem teria percebido que Barack Obama, mesmo sendo negro, é muito mais apoiado e compreendido pelos brancos do que pelos negros. Na verdade, os negros andam distanciados da política séria. Os negros andam distanciados da leitura e dos estudos. A pesquisa é muito fraca quando é traduzida pelos negros e a politica e o poder servem mais para ter acesso as fontes, enriquecer-se a si mesmo e não para garantir o basico para os outos africanos.


Tenho me perguntado pela lição que Obama poderia dar aos negros brasileiros, que fora do seu grande intervencionismo cultural pouco fizeram na politica e na economia. Hoje os negros brasileiros ainda não conquistaram o espaco que deviam, mesmo sabendo que eles é que construiram aquel país. Mesmo sabendo que os privilegios dos brancos no Brasil são o resultado da segregacao dos negros.


Tenho me perguntado pela licao que Obama poderia dar aos negros sul africanos, que depois de anos de opressao pelo regime do apartheid ganharam o poder e transformaram-se em vitimas de sua propria ganancia, ambicao e ociosidade, tendo dado lugar a escandalos sucessivos na cupula de um dos mais antigos partidos politicos de africa.


Barack tem liçoes para o Presidente Robert Mugabe tambem, tem mensagem para os seus compatriotas em Kenya, para os irmaos no Sudao e principalmente para os membros e instituicoes da Uniao Africana.


O Pani Africanismo de Marcus Garvey, mais do que constituir uma referência na construcao de uma ideologia mais adequada a realidade dos negros no mundo, devia ser o hino e a bandeira de Africa. Não se pode construir uma Africa sobre pilares europeus ou americanos. Não se pode criar uma consciencia africana sobre uma filosofia grega, romana ou arabe. Não se cria o nacionalismo africano fora de Africa. O longo caminho pela libertacao de Africa precisa partir de Africa.


Sendo negro, nascido e criado em um país negro, tenho pena que até a fase de pos graduacao em que me encontro, pouco ou quase nada se fale, se leia ou se estude nas escolas, nas universidade e nas associacoes sobre a filosofia africana, sobre as origens e os destinos de Africa.


Sinto muito que a mídia traga como principal actualidade nos país negros, os acontecimentos europeus, americanos ou asiaticos em prejuizo das noticias sobre africa. Qualquer noticia sobre africa, seria sobre miseria, desastres naturais, catastrofes, SIDA ou guerras, em vez da cultura e modus vivendi dos africanos.


Ao divulgar pessoas e paisagem africana, é somente o safari e o turismo sexual. Publicitam-se os parques (que são lindos) e as mulheres (que tambem são lindas), mas pouco ou quase nada sobre a culura, a comida, as tradicoes, a filosofia e as linguas (que são lindissimas).


O Pani Africanismo de Garvey precisa ser recuperado. Precisa ser ensinado, precisa ser estudado, mesmo sabendo que muitos ainimigos serao criados, mas é preciso também que Africa faça as suas escolhas, ou os amigos ou o seu Deus, a sua Aspiracao e o seu Destino.

5 comentários:

Anónimo disse...

caríssimo!
haverá mais espaço para os ensinamentos de Garvey na África de hoje? O palco da história mudou Custódio, e muito.sabes, li algures que o escravo liberto, a primeira acção que toma é escravisar os outros, e isto não é típico só dos africanos,faz parte da essência do Homem.

Unknown disse...

Ola,

Concordo bastante contigo quando diz que o cenario actual nao 'e proprio para Gavey ou filosofia garveyana. Mas eu penso que para uma corrente filosofica sempre havera palco no mundo. E hoje o que a gente precisa nao 'e resgatar Garvey nas suas ultimas consequencias, mas servirmo-nos dele (e de outros paniafricanistas) para desenharmos o futuro que queremos para Africa.
Penso que ate hj falta a visao de africa ques estamos a construir. Na OUA sabia-se que a visao era uma africa independente e depois de independente esta a ser dificil definir o que queremos.
A questao da escraviadao 'e exactamente como vc afirmou, so nao sei se isso reside na essencia humana. De qualquer forma, Garvey e outros paniafricanistas ensinaram que ninguem pode escravisar uma mente ou o espirito do outro senao nos mesmos, o que quer dizer que pior do que se escravo no seu conceito classico, 'e sermos escravos de nos mesmos.
olhando para esse palco que sepulta Garvey e Cia, descubro o quanto a gente precisa desses Gurus.

Anónimo disse...

Querido amigo,
És um idealista, um sonhador nato, própio das almas sensíveis e puras. Mas Custódio, peço-te que desças um pouco das alturas e tente pisar terra firme.
Acredito que tal como tu, Garvey foi um grande filho do continente negro, sonhador, visionário e com uma visão de longuíssimo alcance.Mas acredite também, que os africanos ainda estão na sua primeira infância, naquela fase em que os bebés exploram e se preocupam somente com seu próprio umbigo.E na ância de querermos ver o bebé crescido, não podemos puxá-lo pelas pernas e orelhas esticando-do, sob pena de ficarmos com as orelhas e dedinhos dos pés em nossas mãos.
Isto pra dizer que tudo chega em seu devido tempo. Nem antes nem depois.Como bem o dizes e concordo plenamente, "ninguém pode escravisar uma mente ou o espírito do outro senão nós mesmos".Ora bem, deixe que o africano desperte de sua autoescravização se é que o termo existe. Só depois disso é que se pode falar de uma nova agenda pra a nossa querida áfrica, quando os políticos, depois dos filósofos africanos, tiverem tomado consciência que continuam tão escravos tal como o foram há centenas de anos atrás, só que desta feita de si mesmos.
Não adianta mais chorarmos pelas oportunidades que não nos foram concedidas, por quém? quem deveria fazê-lo? Quem está obrigado a isso?
Aquilo que cada um é, é produto de si mesmo, dizem os filósofos orientais e esotéricos, grandes sábios.Esta filosofia, acho eu, ser igualmente aplicável a cada etnia, tribo, país continente e por aí adiante.Ia-me esquecendo, pra ti o que faz parte da essência humana?
Um abraço de uma amiga

Unknown disse...

Querida amiga,
Obrigado pela luz que me das.
Fico realmente impulsionado a reflectir mais sobre a actual conjuntura de Africa, quando entre algns ha sempre algume como vc que olha para o continente com optimismo.

A Utopia mia querida. Sem ela, nao vale a pena viver. O sonho, a visao, sem eles nao vale a pena contiuar a luta. Eu defino-me como alguem que acredita. Isso faz parte de mim, acreditar ate no mais absurdo se for necessario, dai a minha crenca na possibilidade de podermos mudar Africa a curto prazo.

'E de pequeno que se torce o pepino, 'e quando a africa ainda esta na sua primeira infancia que a gente deve insistir com ela, porque se nao o fazemos, o imperialismo capitalista o fara, e teremos uma africa construida para servir eternamente.

Hoje temos uma africa que 'e maior fonte de recursos mas sem industrias, temos uma africa independente, mas xenofoba, tribalista e genocida. As pessoas nao querem acreditar, mas Darfur 'e um Rwanda dos nossos dias.

temos uma africa que se pretende alfabetizada, mas sem acesso a informacao. "e mais facil um mocambicano acompanhar com detalhes o que acontece nos EUA, no Brasil e Portugal ou Inglaterra, mas nao saber o que esta acontecer no Malawi, no Lesotho, em Madagascar.

Essa Africa, sera engolida pela globalizacao se esperarmos pelo tempo certo. Este 'e o tempo certo. Comeca aconversar com alunos e alunas, com estdantes, nas associacoes sobre quem somos e para onde vamos.

Uma vez escrevi um texto sobre uma palestra que dei na UDM para alunos de direito em 2006. Uma estudante nao sabia onde fica Cahora Bassa.

O que faz parte da essencia humana? bom para mim o homem 'e eminentemente social como podia dizer Aristoteles, 'e essa caracteristica social que define a sua essencia. Se ele 'e social entao nao 'e segregacionaista. Porque segrega entao? porque escravisa entao? no me ponto de vista mais pelo aspecto economico que 'e periferico e nao essencial. Ele segrega e escravisa porque os recursos sao escassos.
A natureza humana 'e corrompida pelo externo e nao pelo intrisseco.
Sei que posso estar a sonhar mais uma vez, mas nao acredito que o estado de natureza defendido por Rousseau e Hobbes, para justificar a sociedade tenha realmente acontecido.

Bjos de bom final de semana

Anónimo disse...

Vamos, entao, resgatar o Pan-Africanismo. Vamos lutar por nos e por nossos irmaos que, em maioria, nao se veem como negros, pois, negro, eh sinonimo de impureza, sujeira. Ninguem quer ser negro sob estes termos, cabe a nos ajudar-nos e abrirmos nossos olhos e apoiar outros negros, primeiro, no orgulho negro, e, consequentemente a luta diaria contra o racismo e desigualdade que nos cerca. Esta luta eh nossa! wanuziabraga@gmail.com