quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Custo de Vida: do Baixo Poder de Aquisição aos Protestos Populares

Palestra Proferida na Liga dos Direitos Humanos
A Cidade de Maputo, foi no dia 5 de Fevereiro fortemente abalada por uma onda de manifestações que por momentos paralisaram quase tudo que é essencial para o funcionamento normal da máquina administrativa e não só.
É que, tais manifestações que também produziram efeitos na Matola e tiveram réplicas em alguns pontos da província de Gaza visavam maioritariamente protestar contra súbita subida do preço dos chapas nas viagens que custavam 5Mt e 7.5Mt e passariam a custar 7.5Mt e 10Mt respectivamente.

Tal subida do preço dos chapas, chapas esses que constituem por sinal, a maior rede de serviços de transportes, acontece no mês de Fevereiro, curiosamente depois da subida do preço dos combustíveis, do pão e de outros produtos de consumo básico.
O mais agravante, é que, para alem dos cidadãos ainda não se refazerem dos gastos durante a quadra festiva do Natal e do Ano novo os salários mínimos ainda não estão reajustados.
Foi visível entre os manifestantes uma grande aderência de mulheres, jovens e crianças, embora homens adultos se fizessem presente acompanhando tudo de perto e agindo cautelosamente quando necessário.

A mídia esteve por perto, reportou uma boa parte das manifestações, das barricadas e da acção repressiva da polícia. Contudo, dias depois, o MISA e o CIP emitiram um comunicado comum, criticando a intromissão do poder político na actividade normal dos meios de comunicação social.
A Liga dos Direitos Humanos foi também vítima dessa interferência quando em pleno programa Televisivo este foi imediatamente interrompido. O motivo poderia ser eventualmente a questão da tortura e baleamento de cidadãos, para alem da contraposição que a Liga apresentou sobre o uso de armas de fogo.
É claro que as manifestações caracterizaram-se por uma onda de violência, o que desde o primeiro dia a Liga dos Direitos Humanos condenou, tanto a violência perpetrada pelos manifestantes bem como a violência perpetrada pelos agentes da Lei e Ordem. No nosso entender, nada justifica a violência.

Por conta dessa violência, num diagnostico feito pelo Hospital Central do Maputo, excluindo outros organismos hospitalares que também socorreram as vítimas, 93 feridos deram entrada no HCM. 58 apresentavam ferimentos provocadas por balas de fogo no dia 5 de Fevereiro e 26 no dia 6. Houve também 18 vítimas de intoxicação, 17 de agressões físicas, 15 de queda e 17 não especificados. Em termos de idades, as vítimas tinham entre 5 a 72 anos de idade.
Dos casos de baleamentos acontecidos entre dia 5 e 6 de Fevereiro, a Liga dos Direitos Humanos recebeu 6, sendo que alguns foram devidamente reportados pelo médico legista do Hospital Central de Maputo.

Mas afinal de contas qual foi a causa fundamental das Manifestações?
Algumas correntes que analisaram a questão culparam uma certa mão externa, uma mão invisível, ou mão estranha como sendo a causa promotora da manifestações, com vista a desenstabilizar o bom curso das coisas no país.
As mesmas correntes chegaram a afirmar que a tal mão externa instrumentalizou crianças para atingir seus objectivos.
Longe de estar certa, esta corrente pretende desviar a atenção do assunto e concentrar a discussão em questões periféricas. Aquela posição quererá com certeza deixar transparecer que o povo moçambicano não tem capacidade para por si levantar-se e reclamar os seus direitos.
Outras correntes, também suportadas pela liga Moçambicana dos direitos Humanos e pela Igreja Católica, advogam que o elevado custo de vida e o fraco poder aquisitivo dos cidadãos está na origem das manifestações, sendo por tanto o aumento dos preços dos chapas o ponto mais alto do maior problema da injustiça social e intolerância económica.
A pobreza em Moçambique, atinge cerca de 70% de toda a população, uma maioria dessa percentagem vive nas zonas rurais desprovidas de todos os serviços básicos necessários de que necessitam.

Quando falarmos da injustiça social e da intolerância económica precisamos de certa forma diferenciar as carências dos pobres que moram nas zonas urbanas ou suburbanos dos que moram nas zonas rurais. Enquanto que nos lugares chamados por cidades e vilas para alem da carência precisam suportar altos custos em:
Transporte, Educação: uniforme, material, transporte, taxas de exame, Habitação, que na sua maioria é arrendada e custos com água e luz. No pagamento da luz também suportam a taxa de rádio e difusão e lixo; assistência médica e medicamentosa, suborno a polícia e fiscais, entre outros.

Os pobres que moram nas zonas rurais, na sua maioria dedicam-se a agricultura de subsistência, a pesca, a caça ou ao artesanato e as suas carências baseia-se essencialmente na falta de serviços, como escolas, assistência médica, altos riscos de saúde, para alem de longas distâncias para fontes de água, ou outro serviço básico. Em muitos locais nas zonas rurais nem se fala de transportes de passageiros.
Políticas públicas que não são inclusivas nem participativas, tentam responder as necessidades de todos os pobres da mesma maneira, sem reconhecer as diferenças das populações rurais e urbanas e sem se preocupar com o local onde vivem e trabalham essas pessoas.
Falar de políticas públicas é falar de respostas concretas para os maiores problemas da população, onde ressaltam os transportes, a educação, a saúde, a justiça, o emprego, a habitação e outros.

Foi por isso que num certo momento chegamos a juntar, à manifestação de Maputo, quanto às suas causas, as manifestações de Chimoio e Beira. Nestes dois últimos casos as multidões se manifestaram e criaram quase o mesmo tipo de distúrbios do dia 5 Fevereiro para linchar malfeitores supostamente protegidos pela polícia.
Embora a causa primária dos linchamentos é a falta de confiança pelo trabalho da polícia, é preciso notar que o alto nível do custo de vida e a falta de oportunidades para milhares de jovens desempregados os conduz a delinquência ou a criminalidade. Criminalidade essa que não é devidamente controlada pela polícia, que falha com a segurança pública e nem devidamente punida pelo aparelho da administração da justiça que também falha na sua missão.
Por força da Constituição da República (no seu artigo 51 garante o direito de reunião e manifestação nos termos da lei), os cidadãos tem o direito de se manifestar sempre que para tal haja justificativa. É, contudo, importante notar que tal manifestação não deve ser feita com recurso a armas nem com violência. Pela Lei, percebe-se também que o Estado pode interferir na manifestação a fim de impedir actos ilegais ou de vandalismo, contanto que uso da força recorrida pelas autoridades seja proporcional a usada pelos manifestantes.

Em Conclusão
Não adianta esconder o problema do custo de vida e da fraca capacidade aquisitiva dos cidadãos sob o pano do preço dos combustíveis. É verdade que o problema dos combustíveis acaba mexendo com todos outros preços, mas não se transforma em si na causa última do problema.
A manifestação é um direito fundamental dos cidadãos, não sendo por acaso que tem um tratamento constitucional. Não é pois de um Estado de direito, mesmo que tal manifestação se faça acompanhar de violência, que a força repressiva do Estado se ache no poder de disparar intencionalmente contra cidadãos para matar. A vida e a integridade física são valores que devem a todo custo ser salvaguardados, sendo que a resposta policial a actos violentos deve ser sempre proporcional a aplicada pelos particulares.
Tendo sido confirmado o facto dos agentes policiais usarem munições de chumbo para acalmar os ânimos dos manifestantes, o que na verdade foi publicamente negado pelo comando Geral da PRM, é inteligente que a corporação apareça publicamente acetado o facto e pedindo desculpas às vitimas e seus familiares.
Mais do que subsidiar os combustíveis para os chapeiros, o Estado precisa criar políticas públicas para transportes públicos na medida em que essa é uma das funções e obrigatoriedade do Estado. Na mesma linha, para reduzir a miséria e a carência da população é necessário que estratégias integradas sejam elaboradas no sentido de gerar mais oportunidades de emprego, de saúde, de habitação e de justiça.
No nosso entender, o 5 de Fevereiro significa um marco importante na construção de um Estado de Direito e Justiça Social. Uma resposta para essa data que foi aplaudida com actos semelhantes em Gaza, Sofala e Manica, deve ser integrada aos mais variados níveis governamentais, da sociedade civil e outros parceiros de desenvolvimento, para que o pior seja evitado, contanto que caminhamos para uma época politicamente sensível quando se avizinha uma série de eleições no país.
Obrigado

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