terça-feira, 9 de outubro de 2007

Direitos Humanos em Moçambique

O Estado Recusa Responsabilidades

Uma das grande perguntas que os leitores e a opinião pública fazem aos defensores de direitos humanos, não só em Moçambique é: “porque é que vocês estão sempre contra o Estado?”, ou por outra, “vocês trabalham para a oposição?”.
Essas perguntas são obvias na medida em que, primeiro: o conhecimento dos direitos humanos ainda é escasso, até há juristas que não conseguem distinguir matérias de direitos humanos e de outros direitos que não o sejam; segundo: a militância em direitos humanos é uma actividade basicamente direccionada ao Estado, monitorando, exigindo, contribuindo e muitas vezes litigando contra.
Para quem está fora do contexto, faz a leitura sem as reais premissas e tira conclusões que por si são falsas: “os defensores de direitos humanos são membros da oposição e a sua actividade é para sujar a imagem do governo e desacreditar os seus programas”.
Na verdade, o fim do trabalho em direitos humanos é o ser humano, é o cidadão, é a pessoa, o homem e a mulher que são o primeiro elemento para a existência da sociedade. Garantir suas liberdades, seus direitos fundamentais e a sua protecção contra os eventuais abusos do poder pelos governantes que para atingir fins políticos em alguns momentos extravasam os limites legais.
Moçambique está numa caminhada de progresso quanto aos direitos humanos. Tomando como inicio o ano de 1975 percebe-se como a teoria dos direitos humanos no país cresceu, um dos principais indicadores é a ratificação de vária legislação internacional de protecção da pessoa humana. O outro é a incorporação dessa legislação na legislação nacional para alem de aprovação de outra nacional para situações concretas.
Quero acreditar que mesmo a mentalidade das pessoas foi ao longo desse período crescendo e cada vez mais se apropriando dos direitos humanos em si. O discurso dos direitos humanos á tem alguma coerência e o direito constitucional moçambicano incorporou vários direitos fundamentais no seu rol o que significa desde logo grande evolução.
Embora estejamos caminhando nesse progresso realmente de louvar, é importante referir que está claro que o Estado moçambicano não aceita nenhuma responsabilidade pelos direitos humanos no país. A atitude tomada no tal progresso é tímida, na medida em que nos principais documentos ratificados fica claro que a declaração do Estado moçambicano é: “aceitamos o documento mas só cumpriremos o que acharmos melhor e, mesmo assim, não aceitaremos de nenhuma maneira que alguém, seja ele Estado ou Indivíduo (incluindo ONGs), tente levar o Estado Moçambicano a barra do tribunal por violações de direitos humanos. Mais ainda, sempre que algum amigo nosso (Estado) quiser violar direitos humanos em Moçambique pode fazer e nós não nos indignaremos.”
Parece uma falsa afirmação, mas é o que o Estado moçambicano expressamente diz e progressivamente mostra querer continuar a agir do mesmo jeito. Ora vejamos:

a) Quanto ao Tribunal Penal Internacional
O Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma visa estabelecer um mecanismo através do qual, indivíduos serão processados por crimes de genocídio, de guerra e outros crimes contra a humanidade. É portanto um Tribunal que está aberto a qualquer Estado do mundo. Moçambique não é parte do Tribunal embora tenha assinado o Estatuto.
Embora o país não seja parte do Estatuto, o nosso Estado já assinou um acordo bilateral com os Estados Unidos da América, onde concordam que na eventualidade dos EUA, ou seus cidadãos em missão ou estadia em Moçambique cometam um dos crimes acima mencionados, nenhum procedimento criminal será levantado para o efeito.
Nós precisamos desse Tribunal porque em muitas situações a justiça interna é fraca por vários motivos que já são conhecidos, sendo um deles a falta de recursos humanos, infrastruturas, capacidade de investigação e até vontade política. Assim, o Tribunal penal Internacional exerce sua competência independentemente do local em que o crime aconteceu, tendo em conta que o país é parte e sendo o caso elegível.
Quando Moçambique não ratifica o Estatuto de Roma, afirma categoricamente que a qualquer momento pode cometer um desses crimes, através de seus agentes e não quer ser responsabilizado. Quando assina tal acordo bilateral com os Estados Unidos, permite expressamente que os americanos cometam genocídios, crimes de guerra e outros crimes contra a humanidade no nosso país e não sejam processados.

b) Quanto ao Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
O pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adoptado em 1966 e está em vigor desde o ano de 1976. Tal pacto consagra um série de Direitos Fundamentais, afirmando de forma mais detalhada a Declaração universal dos Direitos Humanos. O mérito do Pacto reside no facto de, através do protocolo facultativo criar um Comité que se responsabilizara em receber queixas contra o Estado parte, na eventualidade desse Estado violar algum dos Direitos Civis ou políticos nele consagrados.
Enquanto que o Tribunal Penal Internacional recebe queixas contra indivíduos que cometeram aqueles crimes, este Comité recebe queixas contra os próprios Estados.
Moçambique na sua política de reconhecer os Direitos Fundamentais dos cidadãos é parte do Pacto, entretanto, não ratificou o protocolo facultativo, embora tenha ratificado o Segundo Protocolo que é sobre a abolição da pena de morte. Assim, o Estado Moçambicano afirma que, reconhece os Direitos Civis e Políticos dos cidadãos, reconhece inclusive que o cidadão tem direitos a vida, mas reserva-se ao direito de violar qualquer um desses direitos sempre que assim achar necessário, e nesses casos não quer ser responsabilizado por ninguém.

c) Quanto aos Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos
O Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, é mais um dos órgãos jurisdicionais da União africana, foi criado em 1998 e entrou em vigor no ano de 2004. Moçambique é um dos 15 Estados Partes. Este tribunal recebe queixas contra os Estados parte, as queixas podem ser submetidas tanto por indivíduos como por ONGs ou outros Estados, mas o Estado parte deve declarar que assim o deseja, ou seja, o Estado parte deve assinar uma declaração que permite aquelas partes intentarem as respectivas acções.
Moçambique, embora parte do Tribunal não fez a Declaração, numa afirmação categórica de que aceita o órgão, reconhece os direitos dos cidadãos, mas não quer ser responsabilizado pela violação desses direitos, o que quer dizer, a contrario senso que, pode violar os direitos da Carta Africana quando bem quiser, já que a Comissão Africana só emite pareceres e recomendações, na eventualidade de receber denuncias.
Ora, não restam duvidas, nesses três exemplos que o Estado moçambicano manifesta de forma mais clara possível que não quer saber de responsabilidades no que diz respeito a violações dos Direitos Humanos. Já não sobra espaço neste texto para outros exemplos, contudo acredito ter lançado bases para uma seria discussão pelo menos no âmbito dos Direitos Humanos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro colega,

Sinto muita lisonja por me remeter os busilis relacionados com os Direitos Humanos e a actuacao do Estado Mocambicano. E de respeitar as opinioes que tem sobre a materia, porem, e preciso ter presente que a realizacao dos direitos humanos nao se pode apenas atribuir a uma pessoa moral, como bem disse , o Estado Mocambicano aderiu a varia Convencoes, que visam a defesa dos direitos humanos e, em meu humilde entender, a realizacao dos mesmos nao term cor partidaria pois e de interesse de todos uma realizacao progressiva da pessoa humana.

Quanto a insersao nas legislacao nacional, julgo que a Constituicao da Republica de Mocambique de 2004, e uma das mais perfeitas em termos de normas consentaneas com a defesa dos direitos humanos, o que pode estar por detras das constatacoes que apresenta sobre a "irresponsabilidade do Estado mocambicano" se de facto, a sua investigacao e verosimel, deve estar relacionado com a falta de conhecimento pelas pessoas.
Assim, ao inves alem de imputar as culpas ao Governo, como tal, julgo que deve ser acompanhado de potenciacao de campahas de educacao civica do propio cidadao. Se estiver errado corrija-me, mas grande numero de eventos sobre Direitos Humanos, costuma ser restringido a academicos, juristas... mas nao deveria ficar-se por ai, estes conhecimentos ou experiencias adquiridas nesses eventos, deviam ser partihadas por aqueles cidadaos que nao sao da area, ou nao possuem meios para ter contacto informatico..etc

deste modo, a minha minha contribuicao e no sentido de intensificar as campanhas de educacao civica.

Repare que, as instituicoes adequadas para o tratamento das materias em causa ja existem, o que pode estar a contecer e a inercia de quem se encontra obrigado a dar o tartamento adequado, por razoes acima apontadas, isto e, o desconhecimento do valor dos mecanismos para a realizacao dos direitos humanos.

Colega,

Esta abordagem ja e um comeco inestimavel, continue mas sugiro que mexa na ferida propia.

Com os melhores cumprimentos.

Jose Sergio Divage

SAM disse...

Caro colega bloguer,

O dia 10 de Dezembro é o Dia Internacional dedicado ao tema dos Direitos Humanos.

Depois de uma pequena procura no google, encontrei o seu blog e gostaria de lhe convidar a ser uma parte central desse empreendimento, para que todos possamos deixar a nossa marca nesse dia e, juntos, demonstrar a todos que somos Um mundo, Uma vida.

Acredito que cada um de nós, seres humanos conscientes, teremos as nossas preocupações, mais ou menos específicas, e, por isso mesmo, deveremos tentar, juntos, deixar uma marca.

Por isso, convido-lhe a ir a www.fenixadeternum.blogspot.com e ver como poderá participar dessa rede cujo que se mantém por uma única causa: a causa do Género Humano, a causa dos Direitos Humanos.

Obrigado,
Sam